terça-feira, 18 de novembro de 2008

“Melhor é Impossível!”

Tendo como pano de fundo a perspectiva sistémica de abordar a psicopatologia, mais especificamente a sua desconstrução, foi-nos apresentado o filme Melhor é Impossível, tendo-nos sido, posteriormente, colocadas algumas questões acerca deste. O objectivo era, então, identificar:

(1) O quadro psicopatológico do protagonista segundo a DSM-IV;
De acordo com a DSM-IV podemos concluir que o Melvin apresenta uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva, que se caracteriza por:

A. Obsessões ou Compulsões:
Obsessões definidas por: 1),2),3) e 4):
1) Pensamentos, impulsos ou imagens, recorrentes e persistentes, que são experimentados, durante algum período da perturbação, como intrusivos e inapropriados e que provocam ansiedade ou mal - estar intensos;
2) Pensamentos, impulsos ou imagens que não são simplesmente preocupações excessivas acerca de problemas reais de vida;
3) A pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou acção;
4) A pessoa reconhece que os pensamentos obsessivos, impulsos ou imagens são produto da sua mente (não impostos do exterior como na inserção de pensamentos).

Compulsões definidas por:1) e 2):
1) Comportamentos repetitivos (ex., lavagem das mãos, ordenações, verificações) ou actos mentais (ex., rezar, contar, repetir palavras mentalmente) que as pessoas se sentem compelidas a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser aplicadas de modo rígido;
2) Os comportamentos ou actos mentais têm como objectivo evitar ou reduzir o mal estar ou prevenir algum acontecimento ou situação temidos; contudo, estes comportamentos ou actos mentais ou não estão ligados de um modo realista com o que pretendem neutralizar ou evitar, ou são claramente excessivos.

B. Nalgum período durante a evolução da perturbação a pessoa reconheceu que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. Nota: isto não se aplica às crianças.

C. As obsessões ou compulsões provocam forte mal-estar, consomem tempo (mais de uma hora por dia) ou interferem significativamente com as rotinas normais da pessoa, funcionamento ocupacional (ou académico) ou com os relacionamentos ou actividades sociais.

D. Se outra perturbação do Eixo 1 estiver presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não se restringe a essa perturbação (ex, preocupação com os alimentos na presença de uma Perturbação do Comportamento Alimentar; arrancar cabelos na presença de Tricotilomania; preocupação com a aparência pessoal na presença de Perturbação Dismórfica Corporal; preocupação com drogas na presença de Perturbação por Uso de Substâncias; preocupação por ter uma doença grave na presença de Hipocondria; preocupação com os impulsos ou fantasias sexuais na presença de uma Parafilia; ruminações acerca de culpa na Perturbação Depressiva Major).
E. A perturbação não é provocada pelo efeito fisiológico directo de uma substância ( por ex., abuso de droga, medicação) ou um estado físico geral.

Especificar se:
Insight - se durante a maior parte do tempo do episódio actual a pessoa não reconhece que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais.


Neste sentido verificamos que o protagonista do filme preenche os seguintes critérios que nos permitem afirmar que sofre de POC:

Critério A:
Ao longo de todo o filme, Melvin apresenta diversos comportamentos ritualizados como trancar e destrancar várias vezes a porta ou ligar e desligar as luzes repetidamente; levar sempre consigo talheres de plástico quando vai comer ao restaurante e sentar-se sempre na mesma mesa; organizar meticulosamente a sua mala ou os cd’s de música e recusar-se a pisar os limites dos ladrilhos do passeio. Estes comportamentos estão intimamente ligados ao seu medo de contaminação/sujidade (lavagem das mão ou recusa em vestir o casaco disponibilizado pelo restaurante) e à necessidade de simetria e exactidão que sente (preparação da mala de viagem).

Critério B:
Quando Melvin vai atrás de Carol porque esta não foi trabalhar e ele não quer ser atendido por mais ninguém, esta pergunta-lhe se ele tem noção do quão inconveniente e maldoso é, ao que este acaba por reconhecer que a sua atitude é inapropriada e excessiva.

Critério C:
Apesar de não ser admitido, de forma explícita, que os comportamentos assumidos por Melvin lhe causem algum tipo de transtorno, é possível verificar que tal acontece. Assim, há uma perda considerável de tempo e uma interferência significativa nas actividades quotidianas do dia-a-dia do protagonista. Por outro lado verificam-se também dificuldades ao nível do funcionamento relacional (em especial com a Carol) e actividades sociais (um exemplo será o jantar com Carol, durante a viagem a Baltimore).

Critério E:
A perturbação representada no filme não é provocada pelo efeito fisiológico directo de consumo de substâncias ou de um estado físico geral.

(2) As múltiplas visões de uma mesma realidade (outras leituras dessa situação psicopatológica), partindo das leituras renovadas dos protagonistas;
A realidade aqui retratada (a Perturbação Obsessivo-Compulsiva de Melvin) é vista de formas distintas pelos diferentes protagonistas do filme. Por um lado, verificamos que Melvin sabe que lhe foi diagnosticada uma POC, no entanto não considera que o seu comportamento “bizarro” e controlador a isso se deva. No seu entendimento a sua forma de ser e estar é assim, questionando-se mesmo “E se melhor que isto for impossível?”.
Por outro lado, na visão de Carol, o comportamento de Melvin é estranho (como quando lhe pergunta para que servem os talheres de plástico), chegando mesmo a considerá-lo uma pessoa má e inconveniente. No entanto, e com o decorrer do filme ela começa a vê-lo com outros olhos, e embora continue a considerar a sua atitude despropositada e inoportuna, percebe que é uma pessoa generosa (capaz de contratar um médico que cure o filho e, no final do filme, de acolher Simon).
No caso de Simon, este afirma directamente que o Melvin é um “ser humano perfeitamente horroroso”, uma vez que este apresenta para com o seu vizinho uma atitude rude, fria e insensível. Apesar disso, e tal como acontece com Carol, o comportamento de Melvin para com ele vai-se suavizando no final do filme (quando Mr. Udall o ajuda na sua viagem e quando lhe disponibiliza o quarto), acabando Simon por afirmar que o adora.

(3) Justificar, neste contexto de análise a divisão proposta;
1ºBloco – Antes de Verdell chegar a casa de Melvin
Corresponde ao início do filme. Uma vez que é a primeira vez que contactamos com os protagonistas do filme, é durante esta parte que é feita a sua apresentação. Assim ficamos a conhecer o Melvin, personagem principal do filme, um escritor arrogante, irónico, sarcástico, racista e talvez até um pouco excêntrico devidos aos comportamentos ritualizados e repetitivos que manifesta. Já Simon, seu vizinho, é um homem pacífico, que evita confrontos com Melvin, mesmo quando este o provoca. É artista plástico, homossexual assumido, um homem sensível que adora o seu cão Verdell. No restaurante onde Melvin faz as suas refeições todos os dias trabalha, como empregada de mesa, Carol. É mãe do Spencer, um menino que sofre de asma, precisando de cuidados regulares que muito preocupam Carol. Vive com o filho e com a mãe, que a ajuda a cuidar de Spencer. É uma mulher simpática que tolera o comportamento abusivo de Melvin.

2ª Bloco – Durante a estadia de Verdell na casa de Melvin
Após ser atacado na sua própria casa, Simon fica gravemente ferido. O período de recuperação é longo e doloroso. Durante a sua estadia no hospital o seu cão é entregue, pelo seu amigo Frank, a Melvin, que é “obrigado” a tomar conta de Verdell. A entrada do animal na vida de Mr. Udall vem a revelar-se de uma importância extrema, pois este vem perturbar a estabilidade do seu sistema. Assim, e apesar de não querer apegar-se ao animal, mostra-se preocupado com este, acabando por manifestar comportamentos novos. Verifica-se, desta forma, que Melvin se descentra um pouco de si próprio apegando-se a Verdell, a quem acaba por afirmar “és perfeito”. Por último, e talvez devido a esta alteração do comportamento de Melvin, há uma ligeira aproximação deste com Carol, mostrando-se este um pouco mais atento aos seus problemas, chegando mesmo a perguntar qual o motivo das suas olheiras.

3ª Bloco – Regresso de Verdell à casa de Simon:
Após devolver o cão ao seu vizinho Simon, Melvin sente-se triste e só, de tal forma que procura o seu psiquiatra. Talvez por isso, volta a centrar-me muito em si próprio, e manifesta mesmo comportamentos excêntricos, como ir a casa de Carol pedir justificações pela sua falta ao trabalho. No entanto, a sua vida não volta mais a ser o que era. A entrada de Verdell na sua vida abriu uma pequena brecha à entrada de novos elementos que o marcarão. Neste sentido, começa então a mostrar-se uma pessoa mais atenta e preocupada, não só com Carol e o seu filho (a quem paga um médico privado) mas também com Simon (continuando a tomar conta do seu cão e, mais tarde, levando-o a fazer a viagem a Baltimore), ajudando-os. Apesar disso, Melvin mostra dificuldade em manifestar os seus sentimentos, continuando a ser, muitas vezes, inconveniente. É, assim, verificar a dificuldade que tem em aceitar que não consegue controlar tudo na sua vida.
Já Simon, que tem que ultrapassar uma fase extremamente difícil na sua vida, vê a sua vida desmoronar-se, ficando na falência, perdendo o apartamento e vendo os seus amigos voltar-lhe as costas. No entanto, no final do filme, quando as histórias de todos os protagonistas já se cruzaram, começa a ultrapassar todas estas dificuldades, tendo a ajuda de Carol e até de Melvin (que lhe oferece um quarto na sua casa). Por último, Carol vê a sua vida melhorar, com a entrada do médico privado, que trata do seu filho. Apesar do comportamento de Melvin a irritar profundamente, sente-se a apaixonar, acabando por deixar que este entre definitivamente na sua vida e a mude por completo.

(4) Encontrar exemplos no filme de situações de reenquadramento no contexto da psicopatologia.
Quando Melvin contrata um médico privado para tratar do filho de Carol, com a “desculpa” de a libertar das suas preocupações para que possa voltar ao trabalho, Mr. Udall poderá estar a manifestar a sua preocupação e atenção para com ela. Por outro lado quando Melvin aceita continuar a passear Verdell, mesmo após este ter voltado para casa de Simon, poderá demonstrar (para além do carinho que sente pelo cão, e que é evidente) a preocupação que sente, pois o seu dono não o pode levar à rua. Também quando Melvin convida Carol para os acompanhar na viagem a Baltimore, dizendo que é por ter medo de ir sozinho com Simon, poderá estar demonstrar que se está a apaixonar por ela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Na linha do que é genericamente apontado nos trabalhos