quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Parte 4



A Psicopatologia: Perspectiva Sistémica


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Porque de génios e de loucos todos temos um pouco…


…Tudo é uma questão de interpretação, ou como costumamos dizer, múltiplas visões! E quem determina o ponto a partir do qual um determinado comportamento é a manifestação de uma patologia ou, pelo contrário, é apenas uma prova da nossa “normalidade”? Desde sempre houve necessidade de distinguir e dividir, de uma forma clara, estas duas categorias, assumindo esta categorização, uma vertente de estigmatização e rotulação para aqueles que, supostamente, se desviavam da norma. Neste sentido surgem formas estandardizadas, socialmente assumidas, de a realizar. Mas porque haverá esta necessidade, temporalmente transversal e cultural e socialmente estabelecida, de distinguir entre “loucos” e “normais”? Esta não é uma questão dos dias de hoje… Actualmente é apenas um aspecto inflacionado pela indústria farmacêutica que procura “tratar” as patologias diagnosticadas. Como vimos anteriormente não existe uma receita para a “perfeição” do sistema. “Não há sistemas certos ou errados” (Relvas2000), pois dadas as suas características únicas, um sistema “é o que é” (Boscolo et al. 1993, cit in Relvas, 2000). Apesar disso existe uma tendência geral para tentar definir e determinar, de forma peremptória, se um sistema (seja este individual ou familiar, por exemplo) funciona correctamente ou não. Dar-se-á espaço aos implicados para que nos permitam aceder as narrativas da “sua” realidade para que possamos aceder ao contexto que os rodeia e às interacções que estabelecem entre si? Porque se o sistema está em sofrimento, bloqueado no seu funcionamento (tentando ajustar-se perante a perturbação que ocorreu num dos seus níveis de funcionamento), transmite-nos (a nós terapeutas) o sintoma sob a forma de uma mensagem que nos abre as portas à compreensão do funcionamento do sistema e dos elementos que o constituem. Conhecendo o sintoma e avaliando-o nos seus três níveis de compreensão (semântico, sintáctico e pragmático) conseguimos atribuir-lhe um novo sentido, e consequentemente levantar algumas hipóteses que, durante o processo terapêutico, vamos explorando e afinando, tendo sempre como objectivo criar condições informativas para que o sistema opere a mudança necessária e encontre o equilíbrio que procura.


"It's an insane world and I'm proud to be a part of it.”

(Bill Hicks)


“E se melhor que isto for impossível?”


A doença mental é definida, de acordo com a DSM-IV TR, como “um comportamento significativo ou síndroma psicológico ou padrão que ocorre num indivíduo e que está associado a mal estar actual (sintoma doloroso) ou incapacidade (numa ou mais áreas importantes do funcionamento) ou a um risco acrescido de morte, sofrimento, incapacidade ou uma importante perda de liberdade. Além disto, este síndroma ou padrão não pode ser meramente uma resposta esperada e culturalmente sancionada face a um evento particular, como por exemplo, a morte de alguém amado. Qualquer que seja a causa original, deve ser considerado uma manifestação de uma disfunção comportamental, psicológica ou biológica no indivíduo. Nem o comportamento desviante (e.g., político, religioso ou sexual), nem os conflitos que ocorrem entre o indivíduo e a sociedade são perturbações mentais, a não ser que o desvio ou o conflito sejam um sintoma de uma disfunção no indivíduo, como descrito acima” (in DSM-IV TR, 2000). No entanto, verificamos, desde logo, que esta conceptualização de doença mental se assimila ao modelo médico que descreve a doença física, uma vez que assenta essencialmente no pressuposto da importância biológica, deitando por terra a ideia do ser humanos como um ser biopsicossocial (Relvas, comunicação informal, Novembro 2008). Esta conceptualização de distúrbio mental determina que os sintomas indicam a presença deste apenas se são causados por uma disfunção subjacente. Desta forma a doença mental, na perspectiva deste manual de diagnóstico, descreve um processo de doença e não como as pessoas. Nesta tendência para simplificar através da quantificação, categorização e classificação, deixamos de ter a Maria e o Manuel, por exemplo, para passar a ter simplesmente duas pessoas deprimidas. Esta definição apresentada pela DSM-IV TR coloca, então, a ênfase no indivíduo e propõe alguma analogia com a doença física, pois define que o problema está no indivíduo (“…comportamento significativo ou síndroma psicológico ou padrão que ocorre num indivíduo…”), realçando uma situação específica e não a cultura, o ambiente em que o indivíduo se insere, em geral. Não podemos, neste sentido, esquecer que o indivíduo é um sistema que estabelece ligações interactivas com elementos de outros sistemas de que faz parte, em especial com a família.

Verificamos, assim, que as classificações propostas pela DSM-IV – TR não são neutras, estando política e culturalmente influenciadas (poderemos neste sentido apontar o exemplo da homossexualidade, que até 1973 era considerado pela DSM uma patologia). Será, por isso, fulcral citar Marc e Picard (1984, cit in Relvas 2000) que afirmam que “chamamos ‘normal’ a tudo o que nos é familiar e ‘louco’ a tudo o que não compreendemos”. Quem define o que é normal? E se como diz Barros (n.d.) “Ser normal não é ser sadio porque a normalidade pode ser doentia”? Neste contínuo entre o normal e o patológico é difícil distinguir entre distúrbio e não distúrbio, uma vez que não existem fronteiras nítidas entre a patologia e a normalidade. Se pensarmos agora no contexto da família, Boscolo e col. (1993, in Relvas, 1999) afirmaram que não existe uma definição daquilo que uma família “deve ser”. Cada sistema familiar tem as suas características e formas de relacionamento interpessoal próprias, que emergem da soma de todos os elementos que constituem o sistema, o que nos remete para a importância de cada indivíduo e para o papel que a história e a cultura detêm para o sistema familiar. Assim sendo, assume-se que quem sabe o que o que é melhor para o sistema (neste caso a família) é o próprio sistema, que dadas as suas competências, tem no seu seio a informação necessária para poder mudar, desbloqueando o seu funcionamento (Ausloos, 1996). De acordo com Relvas (2000), é a capacidade evolutiva da família que determina a ausência ou presença de problemas no seu seio. Desta forma, a perturbação que o sistema familiar apresenta está directamente relacionada com o momento de desenvolvimento que este está a ultrapassar (Relvas, 2000). Ora, como Ausloos (1996) afirmou, o funcionamento do sistema e consequentemente o dos indivíduos que o constituem é-nos comunicado através do sintoma. Sob a forma de uma mensagem, o sintoma é, então, “uma via privilegiada de compreensão das ligações do indivíduo aos sistemas de que faz parte” (cit Ausloss, 1996, ).

Concluindo, e tendo em conta as afirmações de Lopes, Lopes & Lobato (2006), o diagnóstico permitido pela DSM-IV TR, ao centrar a pessoa na sua dificuldade, implica uma definição de ser, uma identidade, que se tenham em conta as características que definem a essência do “outro” (Ravazzola, 1997, in Lopes, Lopes & Lobato, 2006). À medida que o indivíduo em causa vai aceitando o rótulo que lhe é imposto, como fazendo parte do seu ser, estas características vão-se cristalizando. O modelo médico desvaloriza, muitas vezes, o poder do campo emocional/afectivo, dos comportamentos e pensamentos na “construção de profecias auto-realizáveis” (Ravazzola, 1997, in Lopes, Lopes & Lobato, 2006), ignorando o efeito que a linguagem tem na construção da (nossa) realidade.

“Melhor é Impossível!”

Tendo como pano de fundo a perspectiva sistémica de abordar a psicopatologia, mais especificamente a sua desconstrução, foi-nos apresentado o filme Melhor é Impossível, tendo-nos sido, posteriormente, colocadas algumas questões acerca deste. O objectivo era, então, identificar:

(1) O quadro psicopatológico do protagonista segundo a DSM-IV;
De acordo com a DSM-IV podemos concluir que o Melvin apresenta uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva, que se caracteriza por:

A. Obsessões ou Compulsões:
Obsessões definidas por: 1),2),3) e 4):
1) Pensamentos, impulsos ou imagens, recorrentes e persistentes, que são experimentados, durante algum período da perturbação, como intrusivos e inapropriados e que provocam ansiedade ou mal - estar intensos;
2) Pensamentos, impulsos ou imagens que não são simplesmente preocupações excessivas acerca de problemas reais de vida;
3) A pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou acção;
4) A pessoa reconhece que os pensamentos obsessivos, impulsos ou imagens são produto da sua mente (não impostos do exterior como na inserção de pensamentos).

Compulsões definidas por:1) e 2):
1) Comportamentos repetitivos (ex., lavagem das mãos, ordenações, verificações) ou actos mentais (ex., rezar, contar, repetir palavras mentalmente) que as pessoas se sentem compelidas a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser aplicadas de modo rígido;
2) Os comportamentos ou actos mentais têm como objectivo evitar ou reduzir o mal estar ou prevenir algum acontecimento ou situação temidos; contudo, estes comportamentos ou actos mentais ou não estão ligados de um modo realista com o que pretendem neutralizar ou evitar, ou são claramente excessivos.

B. Nalgum período durante a evolução da perturbação a pessoa reconheceu que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. Nota: isto não se aplica às crianças.

C. As obsessões ou compulsões provocam forte mal-estar, consomem tempo (mais de uma hora por dia) ou interferem significativamente com as rotinas normais da pessoa, funcionamento ocupacional (ou académico) ou com os relacionamentos ou actividades sociais.

D. Se outra perturbação do Eixo 1 estiver presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não se restringe a essa perturbação (ex, preocupação com os alimentos na presença de uma Perturbação do Comportamento Alimentar; arrancar cabelos na presença de Tricotilomania; preocupação com a aparência pessoal na presença de Perturbação Dismórfica Corporal; preocupação com drogas na presença de Perturbação por Uso de Substâncias; preocupação por ter uma doença grave na presença de Hipocondria; preocupação com os impulsos ou fantasias sexuais na presença de uma Parafilia; ruminações acerca de culpa na Perturbação Depressiva Major).
E. A perturbação não é provocada pelo efeito fisiológico directo de uma substância ( por ex., abuso de droga, medicação) ou um estado físico geral.

Especificar se:
Insight - se durante a maior parte do tempo do episódio actual a pessoa não reconhece que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais.


Neste sentido verificamos que o protagonista do filme preenche os seguintes critérios que nos permitem afirmar que sofre de POC:

Critério A:
Ao longo de todo o filme, Melvin apresenta diversos comportamentos ritualizados como trancar e destrancar várias vezes a porta ou ligar e desligar as luzes repetidamente; levar sempre consigo talheres de plástico quando vai comer ao restaurante e sentar-se sempre na mesma mesa; organizar meticulosamente a sua mala ou os cd’s de música e recusar-se a pisar os limites dos ladrilhos do passeio. Estes comportamentos estão intimamente ligados ao seu medo de contaminação/sujidade (lavagem das mão ou recusa em vestir o casaco disponibilizado pelo restaurante) e à necessidade de simetria e exactidão que sente (preparação da mala de viagem).

Critério B:
Quando Melvin vai atrás de Carol porque esta não foi trabalhar e ele não quer ser atendido por mais ninguém, esta pergunta-lhe se ele tem noção do quão inconveniente e maldoso é, ao que este acaba por reconhecer que a sua atitude é inapropriada e excessiva.

Critério C:
Apesar de não ser admitido, de forma explícita, que os comportamentos assumidos por Melvin lhe causem algum tipo de transtorno, é possível verificar que tal acontece. Assim, há uma perda considerável de tempo e uma interferência significativa nas actividades quotidianas do dia-a-dia do protagonista. Por outro lado verificam-se também dificuldades ao nível do funcionamento relacional (em especial com a Carol) e actividades sociais (um exemplo será o jantar com Carol, durante a viagem a Baltimore).

Critério E:
A perturbação representada no filme não é provocada pelo efeito fisiológico directo de consumo de substâncias ou de um estado físico geral.

(2) As múltiplas visões de uma mesma realidade (outras leituras dessa situação psicopatológica), partindo das leituras renovadas dos protagonistas;
A realidade aqui retratada (a Perturbação Obsessivo-Compulsiva de Melvin) é vista de formas distintas pelos diferentes protagonistas do filme. Por um lado, verificamos que Melvin sabe que lhe foi diagnosticada uma POC, no entanto não considera que o seu comportamento “bizarro” e controlador a isso se deva. No seu entendimento a sua forma de ser e estar é assim, questionando-se mesmo “E se melhor que isto for impossível?”.
Por outro lado, na visão de Carol, o comportamento de Melvin é estranho (como quando lhe pergunta para que servem os talheres de plástico), chegando mesmo a considerá-lo uma pessoa má e inconveniente. No entanto, e com o decorrer do filme ela começa a vê-lo com outros olhos, e embora continue a considerar a sua atitude despropositada e inoportuna, percebe que é uma pessoa generosa (capaz de contratar um médico que cure o filho e, no final do filme, de acolher Simon).
No caso de Simon, este afirma directamente que o Melvin é um “ser humano perfeitamente horroroso”, uma vez que este apresenta para com o seu vizinho uma atitude rude, fria e insensível. Apesar disso, e tal como acontece com Carol, o comportamento de Melvin para com ele vai-se suavizando no final do filme (quando Mr. Udall o ajuda na sua viagem e quando lhe disponibiliza o quarto), acabando Simon por afirmar que o adora.

(3) Justificar, neste contexto de análise a divisão proposta;
1ºBloco – Antes de Verdell chegar a casa de Melvin
Corresponde ao início do filme. Uma vez que é a primeira vez que contactamos com os protagonistas do filme, é durante esta parte que é feita a sua apresentação. Assim ficamos a conhecer o Melvin, personagem principal do filme, um escritor arrogante, irónico, sarcástico, racista e talvez até um pouco excêntrico devidos aos comportamentos ritualizados e repetitivos que manifesta. Já Simon, seu vizinho, é um homem pacífico, que evita confrontos com Melvin, mesmo quando este o provoca. É artista plástico, homossexual assumido, um homem sensível que adora o seu cão Verdell. No restaurante onde Melvin faz as suas refeições todos os dias trabalha, como empregada de mesa, Carol. É mãe do Spencer, um menino que sofre de asma, precisando de cuidados regulares que muito preocupam Carol. Vive com o filho e com a mãe, que a ajuda a cuidar de Spencer. É uma mulher simpática que tolera o comportamento abusivo de Melvin.

2ª Bloco – Durante a estadia de Verdell na casa de Melvin
Após ser atacado na sua própria casa, Simon fica gravemente ferido. O período de recuperação é longo e doloroso. Durante a sua estadia no hospital o seu cão é entregue, pelo seu amigo Frank, a Melvin, que é “obrigado” a tomar conta de Verdell. A entrada do animal na vida de Mr. Udall vem a revelar-se de uma importância extrema, pois este vem perturbar a estabilidade do seu sistema. Assim, e apesar de não querer apegar-se ao animal, mostra-se preocupado com este, acabando por manifestar comportamentos novos. Verifica-se, desta forma, que Melvin se descentra um pouco de si próprio apegando-se a Verdell, a quem acaba por afirmar “és perfeito”. Por último, e talvez devido a esta alteração do comportamento de Melvin, há uma ligeira aproximação deste com Carol, mostrando-se este um pouco mais atento aos seus problemas, chegando mesmo a perguntar qual o motivo das suas olheiras.

3ª Bloco – Regresso de Verdell à casa de Simon:
Após devolver o cão ao seu vizinho Simon, Melvin sente-se triste e só, de tal forma que procura o seu psiquiatra. Talvez por isso, volta a centrar-me muito em si próprio, e manifesta mesmo comportamentos excêntricos, como ir a casa de Carol pedir justificações pela sua falta ao trabalho. No entanto, a sua vida não volta mais a ser o que era. A entrada de Verdell na sua vida abriu uma pequena brecha à entrada de novos elementos que o marcarão. Neste sentido, começa então a mostrar-se uma pessoa mais atenta e preocupada, não só com Carol e o seu filho (a quem paga um médico privado) mas também com Simon (continuando a tomar conta do seu cão e, mais tarde, levando-o a fazer a viagem a Baltimore), ajudando-os. Apesar disso, Melvin mostra dificuldade em manifestar os seus sentimentos, continuando a ser, muitas vezes, inconveniente. É, assim, verificar a dificuldade que tem em aceitar que não consegue controlar tudo na sua vida.
Já Simon, que tem que ultrapassar uma fase extremamente difícil na sua vida, vê a sua vida desmoronar-se, ficando na falência, perdendo o apartamento e vendo os seus amigos voltar-lhe as costas. No entanto, no final do filme, quando as histórias de todos os protagonistas já se cruzaram, começa a ultrapassar todas estas dificuldades, tendo a ajuda de Carol e até de Melvin (que lhe oferece um quarto na sua casa). Por último, Carol vê a sua vida melhorar, com a entrada do médico privado, que trata do seu filho. Apesar do comportamento de Melvin a irritar profundamente, sente-se a apaixonar, acabando por deixar que este entre definitivamente na sua vida e a mude por completo.

(4) Encontrar exemplos no filme de situações de reenquadramento no contexto da psicopatologia.
Quando Melvin contrata um médico privado para tratar do filho de Carol, com a “desculpa” de a libertar das suas preocupações para que possa voltar ao trabalho, Mr. Udall poderá estar a manifestar a sua preocupação e atenção para com ela. Por outro lado quando Melvin aceita continuar a passear Verdell, mesmo após este ter voltado para casa de Simon, poderá demonstrar (para além do carinho que sente pelo cão, e que é evidente) a preocupação que sente, pois o seu dono não o pode levar à rua. Também quando Melvin convida Carol para os acompanhar na viagem a Baltimore, dizendo que é por ter medo de ir sozinho com Simon, poderá estar demonstrar que se está a apaixonar por ela.

Os limites da linguagem que limitam o Mundo...

Após a realização desta tarefa todos os grupos apresentaram as conclusões a que chegaram. Deste modo foi possível focar aspectos relevantes sobre os quais será importante aqui reflectir. Assim, verificou-se que a linguagem técnica utilizada, dadas as suas características já referidas, não permite divergência de interpretações. A sua objectividade conduz-nos a fazer rotulações e categorizações, não tendo em conta o indivíduo e a sua característica tão única e especial que é ser um ser biopsicossocial. Com o objectivo de nos permitir realizar diagnósticos clínicos, tentam enquadrar-se as dificuldades de um sistema nas categorias “impostas” por este tipo de linguagem, que nos restringe. Neste sentido, realizar um diagnóstico implica, segundo Anderson e Goolishian (1996, in Sequeira, 2003), enquadrar a dificuldade em causa nas diversas categorias definidas no sistema descritivo utilizado, à medida que vão surgindo padrões e semelhanças entre estas. Pressupõe-se, assim, que a linguagem utilizada é abrangente e representativa, permitindo descrever a realidade, tal como acontece com a DSM-IV. Ainda se tivermos em conta este manual de diagnóstico, podemos concluir, que um diagnóstico mais não é do que uma construção social de uma forma de interpretar a realidade, baseada na definição de significados que sejam utilizados e compreendidos pelos profissionais em questão, como forma de entender um determinado contexto e comunicar acerca dele (Sequeira, 2003). Ainda como afirma Sequeira (2003), “um diagnóstico pode ser um acordo linguístico, entre participantes, que confere sentido a um dado comportamento”. Tal julgamento tem como objectivo reunir esforços para “consertar” (normalizar) o que é considerado socialmente, ou pessoalmente, indesejável. E são esses “planos de tratamento” que levam a rotulações/estigmatizações, esquecendo-se que a doença está presente num indivíduo. No entanto, tal como afirma Watzlawick (in Relvas, 1999, p.61) “os sistemas são demasiado complexos” para poderem ser caracterizados tão superficialmente.

Relevante será também referir que a ambiguidade e abrangência que caracterizam a linguagem do senso comum implicam que não seja linear chegar a uma classificação através do discurso narrativo. Para o analisar temos que ter sempre em conta o contexto e “o conjunto de relações concretamente observável na comunicação que se estabelece entre os seres humanos” (cit Relvas, 2000, p. 436), isto é as interacções. Estaremos, assim, a realizar uma compreensão interaccional da psicopatologia, baseando-nos no modelo ecossitémico. Este não considera que o problema está focado no indivíduo, salientando as relações deste no seu contexto, alternando a forma de intervir (Relvas, comunicação informal, Novembro 2008). Apesar disso, o modelo sistémico, tal como qualquer outro modelo, pode cair em interpretações baseadas nos nossos próprios pressupostos, como pode ocorrer, por exemplo, na tentativa de definição do grau “clinicamente significativo” de uma perturbação. Estas margens de indefinição, que o modelo sistémico tenta ultrapassar através da análise do contexto, são tratadas de forma distinta de acordo com cada modelo (Relvas, comunicação informal, Novembro 2008).