terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A concluir…

Após a realização desta proposta de avaliação, não seria possível encerrar este meu “Álbum das Metáforas” sem antes me debruçar e reflectir criticamente sobre o trabalho executado. Assim será importante responder a algumas questões relativas à forma como este foi sendo realizado.


Forma como desenvolveu o projecto:

As diferentes tarefas que aqui se encontram reunidas no portfólio final correspondem a cinco momentos distinto de avaliação, divididos de acordo com as temáticas sobre as quais foi realizada uma metáfora. Assim, para cada conteúdo programático foi realizada, primeiramente, uma análise crítica dos exercícios realizados no decurso das aulas correspondentes, sendo, posteriormente, escolhida uma metáfora que sintetizasse os aspectos essencias de cada tema. Tendo este meu projecto assumido a forma de um blog, a organização deste trabalho é feita segundo uma ordem temporal, correspondendo os primeiros “post” à temática introdutória.


Progressos efectuados:

À medida que fui realizando as diferentes partes deste portfólio verifiquei que o progresso mais visível conseguido foi ao nível da aquisição de competências de pesquisa, síntese e integração dos conteúdos principais das temáticas em questão. Com a realização das diferentes tarefas, consegui também simplificar o processo de selecção e explicitação da metáfora sintetizadora, tendo, ainda, adquirido competências ao nível da aplicação prática dos conceitos consolidados. Por outro lado realizei vários progressos ao nível da automatização de determinadas tarefas relacionadas com este formato digital.


Como ultrapassou as dificuldades encontradas:

Inicialmente deparei-me logo com uma dificuldade que apenas consegui superar verdadeiramente quando realizei a primeira parte deste portfólio: nunca tinha realizado um trabalho idêntico e mesmo tendo acesso a um documento que definisse e delimitasse os contornos desta tarefa, foi muito difícil para mim definir linhas orientadoras que estruturassem o meu projecto. Por isso mesmo, acho que esta dificuldade apenas foi superada quando recebi o feedback respectivo a esta tarefa e que me permitia confirmar que podia continuar a seguir o mesmo caminho. Ainda a propósito desta primeira “avaliação” foi-me sugerido diversificar, fundamentar e pesquisar tendo como objectivo desprender-me das análises descritivas. Assim, nas tarefas seguintes, procurei recorrer a outras fontes de pesquisa, que me abrissem os horizontes a “múltiplas visões” acerca da mesma temática. Por outro lado, com a descoberta das potencialidades do blog, foi-me também possível recorrer a diferentes formas de exploração da página, como sendo a apresentação de pequenos filmes, a colocação de várias imagens (inclusive sob o formato de slideshow) ou a colocação de links que permitissem aceder a outros aspectos importantes (referências, páginas, etc).

Por outro lado, na minha opinião, não consegui ultrapassar a minha dificuldade em reflectir criticamente sobre o trabalho por mim efectuado. Talvez tal se deva ao facto de ser muito difícil assumirmo-nos como críticos de nós próprios, sendo muito mais fácil realizar esta crítica “a sangue frio”, i.e., posteriormente à entrega e devolução de cada metáfora. Por outro lado isto poderá, também resultar de uma enorme falta de treino nosso para questões deste tipo.


Alterou a problemática inicial e porquê?

Não houve alteração nesse sentido. Aquando da realização da primeira tarefa houve necessidade de definir uma forma de apresentação do trabalho, tendo surgido a ideia do webfólio. Não possuindo muitos conhecimentos ao nível da realização de um blog, a execução deste trabalho revelou-se também muito positiva neste sentido, uma vez que à medida que uma nova fase ia sendo alcançada, eu ia descobrindo novas potencialidades deste formato. Assim, e tendo sentido que a apresentação do meu trabalho neste formato estava a cumprir aquilo a que me havia proposto, considero que foi uma mais valia recorrer a este tipo de novas tecnologias.


Que fontes utilizou e quais os benefícios identificados?

De uma forma geral, debrucei-me essencialmente sobre as referências bibliográficas básicas para cada tema sugeridas pela professora, tendo sempre o cuidado de, sempre que possível, investigar outras fontes que complementassem as informações que já possuía. O meu principal objectivo neste sentido foi integrar o resultado da minha pesquisa com as directrizes sugeridas no decorrer das aulas, que serviram de estrutura todas as partes constituintes do meu portfólio. A título pessoal considero que o pressuposto fundamental desta trabalho foi, para mim, alcançado: integrar de forma coerente os conteúdos programáticos da disciplina, compreendendo-os e conseguindo reflectir sobre eles de forma prática.


Nível de consecução dos propósitos iniciais:

Uma vez que, tanto esta metodologia de trabalho utilizada, como o formato assumido para proposta de avaliação ou mesmo a minha proposta pessoal de apresentação da mesma eram praticamente desconhecias para mim, considero que os propósitos que inicialmente havia definido foram largamente superados. Assim, sem dúvida, o processo de execução deste trabalho constituiu, para mim, um momento de aprendizagem, não só em termos teóricos mas também numa vertente mais prática. O facto da entrega das diferentes metáforas ser realizada em momentos distinto permitiu-nos ter um feedback quase imediato do nosso trabalho, o que nos ajudou, desta forma, a orientar os trabalhos posteriores no sentido de colmatar as principais dificuldades apresentadas ou melhorar a estratégias utilizadas. Foi verdadeiramente um projecto difícil e trabalhoso mas ao mesmo tempo desafiante, em termos pessoais, uma vez que implicava uma procura constante de novas informações e formas de aplicação. Assim, nesta etapa final, o saldo revela-se verdadeiramente positivo, uma vez que a com a realização deste trabalho consegui cumprir um dos meus principais objectivos: desvendar apenas o meu olhar acerca dos conteúdos programáticos da disciplina de Modelos Sistémicos.


Significado e utilidade do projecto para outros:

Aquando da apresentação desta proposta de avaliação confesso que me senti bastante assustada, pois nunca havia realizado nada idêntico e não sabia como iniciar este projecto. No entanto, e após a sua conclusão não tenho dúvidas quanto à sua utilidade. Por um lado, porque nos permitiu contactar com os conteúdos programáticos da disciplina de forma faseada, o que apesar de ser extremamente cansativo, acaba por facilitar a aprendizagem, uma vez que estando a contactar com uma temática de cada vez estamos muito mais disponíveis a assimilar os dados a ela referentes. Por outro lado, porque nos “obrigou” a reflectir, de uma forma prática e aplicada, sobre os exercícios realizados durante as aulas, o que permitia uma consolidação dos conteúdos adquiridos para a realização dessa mesma reflexão. Assim, apesar do cansaço que o recurso a este tipo de metodologia implica, o estabelecimento de avaliações deste tipo (faseadas) permite-nos debruçar sobre cada aspecto do programa de forma muito mais aprofundada, e conseguindo assim, consolidar a sua aprendizagem. Assim, este projecto reveste-se de uma importância fulcral se tivermos em conta o método de aprendizagem e aquisição de competências que permite, mas também (não sendo este aspecto menos importante) devido ao treino de aspectos relativos à criatividade que possibilita. Este último ponto revestir-se-á, ainda, de maior relevância se tivermos em conta que durante o nosso percurso académico fomos “treinados” para trabalhar de uma forma formatada, onde não havia lugar para aspectos relacionados com a criatividade ou crítica pessoal. Estando nós numa fase tão decisiva da nossa formação, considero que apostar em aspectos deste tipo nos "abre horizontes", possibilitando assim um "olhar" mais amplo e abrangente.

Parte 5



Hipótese Sistémica


O essencial é visível aos olhos…Mas, por vezes, é necessário vê-lo sob outras lentes…

Se pensarmos num sistema como a soma de diferentes elementos que mantém entre si uma padrão relacional e comportamental, regendo-se através de um conjunto de regras e funções por si definidas, percebemos, desde logo, que iniciar um processo terapêutico com um sistema implica pensar em termos das relações e interacções que se desenvolvem no seu seio. Neste sentido, e se tivermos em conta uma manifestação sintomática por parte de um elemento do sistema, verificamos que, como já referimos na temática anterior, o sintoma assume a forma de uma mensagem, dando-nos a conhecer o funcionamento não só do sistema mas também dos indivíduos que o constituem, apresentando-se, desta forma, como uma forma de compreensão das ligações dos diferentes elementos ao mesmo. Assim, o essencial apresenta-se mesmo diante dos nossos olhos, na medida em que todos nós termos acesso a manifestações relacionais e comportamentais por parte dos elementos do sistema. No entanto, a leitura destas informações não está ao alcance de todos e é aí que entras as “outras lentes” do terapeuta, que pensa no sistema em termos das relações, construindo hipóteses sistémicas, i.e., elaborando suposições acerca do funcionamento e organização deste e, consequentemente, planeando, determinando e controlando o movimento de mudança que deverá ser encetado como forma de resolver a dificuldade que se afigurou ao sistema e que o mantém preso no seu próprio funcionamento. Vendo esta realidade com “outros olhos” o terapeuta inicia, então, com o sistema um processo de co-construção da hipótese sistémica, desafiando, não só, as leituras rígidas elaboradas pelo segundo com também as noções prévias do primeiro. Desta forma, o terapeuta como catalizador da mudança deverá ser capaz de introduzir o diferente e o inesperado, ou seja, um novo ângulo de visão, resultante de uma reorganização da informação existente, impedindo, desta forma, que o sistema imponha a sua hipótese que neste momento bloqueia o seu funcionamento. Só quando se reúnem, encaixam e influenciam todas estas visões é que se torna possível criar um novo “mapa” explicativo do sistema, que resulta de uma interrelação entre os constituintes do sistema terapêutico que permite a articulação das diferentes possibilidades de narração de uma mesma realidade, i.e., as múltiplas visões possíveis e que não podem ser analisadas tendo em conta apenas um olhar…

Hipotetizando...

Ainda no decorrer desta aula foi-nos proposto um exercício distinto, cujo objectivo era a o debate em grupo e consequente construção de hipóteses sistémicas acerca do seguinte caso apresentado:


Caso clínico

Maria, 22 anos, estudante de um curso técnico-profissional (11º ano). Medicada com ansiolíticos e antidepressivos. Tem 2 irmãs, uma mais nova (9º ano) e outra mais velha (licenciada), e um irmão (10º ano) que vivem lá em casa. Os pais são ambos operários e têm ambos 50 anos.

História de Vida

“Tive várias depressões desde os 16 anos e sou, desde aí, tratada por um psiquiatra. Aos 17 anos as coisas estavam tão difíceis que cortei os pulsos, mas o meu pai encontrou-me na casa de banho e fui levada para o hospital. Sinto que sou uma pedra na vida dos meus pais.

Tudo começou aos 16 anos quando tive as primeiras negativas. Até aí era uma menina-prodígio: toda a gente achava que eu podia ser o que quisesse. Era boa aluna, cantava no coro da igreja, fazia peças de teatro, tinha alegria. Mas é tudo uma hipocrisia. Quando tive, no 10ºano, as primeiras negativas senti-me tão mal que antes das provas globais terem começado já estava de cama. Acho que vou ter uma vida desgraçada no futuro. Não me consigo apaixonar e fujo de todos os rapazes. Não vou nunca fazer aquilo que gostava e ainda vou trabalhar para uma fábrica. Sou um falhanço. Às vezes acho que sou uma histérica, como a minha mãe, desisto de tudo com facilidade, como no ano passado no estágio... Acho que sou um fracasso. Agora ando com o Zé, mas acho que não gosto dele; sinto-me bem na sua companhia... Quase não tenho amigos – irrita-me a felicidade dos outros. E aqueles que me ficam e que acho que me compreendem, como a Teresa, não prestam, são más companhias. Pelo menos é o que diz a minha mãe... Acho que decepcionei toda a gente, principalmente os meus pais! E agora, como se não bastasse, por vezes bebo de mais.”


Hipóteses

H1: O subsistema parental pode ter expectativas muito elevadas em relação “à boa aluna” que anseiam que a Maria seja;

H2: Pressão por parte dos pais para que tenha um bom desempenho escolar, visto que a irmã já tem uma licenciatura;

H3: Relacionado ainda com a questão das elevadas expectativas que os outros têm para si, a Maria pode sentir que o mau desempenho escolar seja uma forma de auto cumprimento das suas profecias, trazendo-lhe isso ganhos secundários para si e para o sistema, uma vez que culpando os outros não tem que aceitar os seus falhanços;

H4: Má adaptação da Maria às novas exigências do contexto escolar (transição para o ensino secundário);

H5: A mãe pode sentir-se assustada com a saída dos filhos de casa, querendo ser a grande amiga e confidente da sua filha;

H6: Estará a Maria “presa” à família, sentindo-se desleal por ter amigos fora do sistema familiar ou mesmo um namorado?

H7: Será que estes pais, tendo em conta que estão na meia idade, se sentem dois estranhos na presença do outro, uma vez que já não têm que dispensar tanta atenção aos filhos? Terão estes pais desaprendido a ser marido e mulher?

H8: Sentir-se-á a Maria a trair a sua família ao avançar nos estudos, uma vez que os seus pais não o fizeram?


Tendo, ainda, como finalidade principal o treino na colocação de hipóteses sistémicas, durante a aula seguinte (3 de Dezembro), fomos confrontados novamente com o caso da Joana, tendo neste caso que reflectir acerca da hipótese sistémica.

A Joana... era uma estudante universitária que sempre tinha tido problemas com os pais. Os problemas com os pais tinham começado há muito, desde antes do divórcio destes. O pai foi desde sempre uma pessoa dominadora e a mãe era submissa. Desde o divórcio dos pais, a Joana tinha tido dificuldade em gerir os conflitos entre aqueles, que ocorriam por causa das mais pequenas coisas: o dinheiro que o pai se esquecia de enviar, a sua não comparticipação em despesas diversas, a hora de chegada da Joana quando saía à noite, as suas classificações escolares, e até os seus conflitos com a irmã mais nova. Parecia que os pais viviam em planetas distintos, com regras de funcionamento incompatíveis e não se cansavam de tentar mostrar ao outro que ele/ela estava errado. As coisas complicaram-se ainda mais quando, recentemente, a Joana foi encontrada na casa de banho da escola a fumar haxixe com uma colega. Ela garantiu que só experimentou uma ou duas vezes e que nunca tentaria drogas duras, mas os pais entraram em pânico e, na escola, os colegas com que se dava antes recusam agora a sua companhia.


Possíveis queixas que a Joana poderia apresentar:

P1: Tem problemas com os pais;

P2: Sente-se só.


Hipóteses

H1: A Joana sente-se num conflito de lealdades entre um pai dominador e uma mãe submissa;

H2: Falha dos pais no exercício da sua função executiva (falta de unanimidade por parte deste no estabelecimento de regras);

H3: A Joana sente-se envergonhada pelo episódio da casa de banho, afastando-se dos colegas;

Neste sentido, o que tentámos fazer com estes dois exercícios foi, de acordo com o que Pallazoli e col. (1980) teorizaram acerca da hipótese sistémica, formular hipóteses baseadas nas informações que possuíamos a propósito do sistema familiar que nos foi apresentado. Assim, as hipóteses por nós colocadas nada mais são do que suposições, que não possuem à partida qualquer valor de verdade ou falsidade, devendo ser refutadas ou comprovadas no decorrer da entrevista com a família. Sendo uma actividade experimental, a hipótese sistémica permite a organização das informações que o sistema nos transmite, estando o seu valor relacionado com a maior ou menor utilidade que apresenta neste sentido (Relvas, 1996). Assim, podemos dizer que esta se apresenta como ponto de partida para a sua própria exploração e verificação de validade (por isso, antes mesmo da primeira sessão deve colocar-se uma primeira hipótese). Quando a hipótese se revela falsa, o terapeuta deve refutá-la, formulando uma nova hipótese que se baseará na informação obtida através da verificação da primeira. Para que tal verificação seja possível é necessário recorrer a algumas técnicas ou métodos específicos – a circularidade e a neutralidade, intimamente relacionados. A primeira técnica ganha forma através do questionamento circular e permite averiguar, modificar ou melhorar a hipótese colocada através das respostas imediatas conseguidas no âmbito desta forma de questionamento, que consiste na metacomunicação por parte de cada elemento do sistema acerca da relação estabelecida entre outros elementos da família. Assim, a circularidade permite ao terapeuta conduzir a investigação acerca da hipótese, baseando-se nas retroacções realizadas pelo sistema familiar em resposta aos aspectos questionados por este e que estão relacionados com as diferenças e semelhanças nas relações estabelecidas pelos elementos da família. Ora, neste sentido surge o segundo método – a neutralidade. Esta é, então, definida por Pallazoli e cols. (1980) como o “efeito pragmático específico que o seu comportamento total [do terapeuta] durante a sessão produz sobre a família” (cit. in Relvas, 2003). Pressupondo, este aspecto, que o terapeuta se deve abster de tecer qualquer comentário valorativo acerca dos indivíduos ou dos comportamentos por estes manifestados, bem como de estabelecer uma aliança com algum dos elementos do sistema, todos os elementos da família devem sentir-se acolhidos por este. Assim, a neutralidade alia-se ao questionamento circular permitindo prosseguir a exploração das hipóteses que vão sendo colocadas. Tal justifica-se, uma vez que um posicionamento neutro por parte do terapeuta permite que este estabeleça, ao mesmo tempo, alianças com cada indivíduo e com ninguém em particular, sendo, então, possível continuar manter um questionamento circular, que lhe faculta acesso a informação variada (idem, 2003; comunicação informal, Dezembro de 2008).

Acerca da hipótese sistémica importa ainda referir dois aspectos fulcrais: valor e função. Neste sentido a hipótese apresenta-se como o equivalente funcional do diagnóstico, promovendo a interacção dinâmica entre avaliação e tratamento, pois, tal como Minunchin afirmou, diagnóstico e tratamento são inseparáveis. Assim, através dela o terapeuta poderá introduzir “o inesperado e o improvável num texto que impede que a família imponha o seu próprio texto linear”, i.e., a sua própria hipótese.

Como já foi referido anteriormente, apesar da hipótese sistémica não ser, em si mesma, verdadeira ou falsa, esta deve ser, no entanto, útil e adequada. Assim, uma hipótese revela-se útil, de acordo com a primeira cibernética, se permitir conduzir a sessão terapêutica, através da introdução de um novo texto sobre a família e as suas dificuldades. Já para a segunda cibernética, para além deste aspecto, a hipótese revela a sua utilidade se permite fazer reenquadramentos, i.e., novos quadros da situação (conseguidos através de outros pontos nodais da mesma história), diferentes da perspectiva que a própria família construiu. Por outro lado, a adequação da hipótese formulada verifica-se se a família se reconhece nesse novo texto que lhe é oferecido, e que nunca pode ser igual á história antiga. (Relvas, 2003; comunicação informal, Dezembro de 2008).

Posto isto, importa reflectir um pouco acerca dos elementos que permitem a construção deste tipo de hipóteses num contexto de terapia familiar. Antes de mais é necessário conhecer vários modelos teóricos acerca da família e do seu funcionamento. O recurso a um qualquer paradigma revela-se adequado desde que este seja útil. Se este pressuposto for cumprido, o modelo utilizado funcionará como uma lente, através da qual o terapeuta reflecte acerca da informação que recolhe junto do sistema familiar. Ou seja, neste sentido o(s) paradigma(s) escolhido(s) pelo terapeuta (estando esta escolha relacionada com o self deste) influenciará a sua visão daquele sistema familiar, sendo a sua perspectiva distinta daquela que o sistema desenvolveu no seu seio. Ora, aqui encontramos as “outras lentes” referidas na metáfora por mim escolhida, e que se referem à possibilidade do sistema terapêutico (constituído pelo terapeuta e elementos do sistema familiar) co-construir um novo “mapa” da família, que permita aos indivíduos abandonar as suas hipóteses rigidificadas e repetitivas, modificando a sua forma de construir os seus próprios “mapas”. São múltiplas visões que permitem “novas histórias, novos significados, novas acções, novos sentimentos, novos comportamentos”, proporcionando ao sistema familiar a mudança, catalizada pelo terapeuta como condutor da sessão, que deixa de ser visto como perito, i.e., como o detentor de uma capacidade para observar a realidade e organizações da família de forma objectiva, que lhe permitem determinar e controlar os passos da mudança que deve ser efectuada para que o problema seja resolvido. Tal é possível devido às múltiplas visões que a análise de uma realidade pode suscitar, que não se anulando umas às outras permitem oferecer à família uma nova visão da situação em que vivem, o que não sendo “a” verdade se apresenta como “outra e nova” verdade para o sistema familiar (Relvas, 1996; 2003; comunicação informal, Dezembro 2008).


O "telefone estragado" e o processo de rotulação

Tendo como ponto de partida 3 breves histórias de uma adolescente, com o mesmo conteúdo, diferindo apenas no seu começo, i.e., no “rótulo” atribuído à Joana, era pedido a um aluno (de cada grupo) que memorizasse uma das histórias, enquanto os restantes elementos do grupo esperavam fora da sala. Depois, esse aluno teve que contar a história que havia memorizado ao colega que entrasse, de seguida, na sala. O processo foi repetido com os restantes colegas que iam regressando ao grupo, tendo os “observadores” (dois por grupo) que registar tudo o que fosse ocorrendo. No caso da Joana que sofria de esquizofrenia paranóide contou-se a seguinte história…


História 1) A Joana... sofria de esquizofrenia paranóide e estava internada no hospital. Os problemas com os pais tinham começado há muito, desde antes do divórcio destes. O pai foi desde sempre uma pessoa dominadora e a mãe era submissa. Desde o divórcio dos pais, a Joana tinha tido dificuldade em gerir os conflitos entre aqueles, que ocorriam por causa das mais pequenas coisas: o dinheiro que o pai se esquecia de enviar, a sua não comparticipação em despesas diversas, a hora de chegada da Joana quando saía à noite, as suas classificações escolares, e até os seus conflitos com a irmã mais nova. Parecia que os pais viviam em planetas distintos, com regras de funcionamento incompatíveis e não se cansavam de tentar mostrar ao outro que ele/ela estava errado. As coisas complicaram-se ainda mais quando, recentemente, a Joana foi encontrada na casa de banho da escola a fumar haxixe com uma colega. Ela garantiu que só experimentou uma ou duas vezes e que nunca tentaria drogas duras, mas os pais entraram em pânico e, na escola, os colegas com que se dava antes recusam agora a sua companhia.


Filipa para Sílvia

• Joana tem esquizofrenia paranóide;

• Não tem a certeza se está hospitalizada;

• Os problemas começaram quando os pais se divorciaram;

• Joana não conseguia gerir aspectos como a gestão das horas de chegada a casa, as discussões com a irmã;

• Pai – dominador/ Mãe – submissa;

Foi apanhada no WC da escola a fumar haxixe com uma colega;

• Os pais entraram em pânico mas ela prometeu-lhes que estava apenas a experimentar e que não passaria para outros tipos de droga;


Sílvia para Sandra

• Joana com esquizofrenia paranóide;

• Não tem a certeza se está hospitalizada;

• Os problemas começaram com o divórcio dos pais;

• Joana não conseguia gerir os problemas do dia-a-dia;

• Pai – dominador/ Mãe – submissa;

• Foi apanhada no WC a fumar haxixe com uma colega;

• Os pais ficaram em pânico mas ela prometeu que não passava a drogas mais pesadas;


Sandra para Sofia

• Joana com esquizofrenia paranóide;

• Não sabe se está hospitalizada ou não;

• C

omeçou a piorar devido ao divórcio dos pais;

• Pai – controlador/ Mãe – submissa;

• Esquizofrenia começou a interfer

ir na vida dela – não tinha controlo no dinheiro ou nas saídas à noite;

• Episódio marcante foi quando fumou

haxixe no WC da escola e os pais souberam do sucedido – prometeu que não ia fumar drogas mais pesadas;

Sofia para Raquel

• Joana tinha esquizofrenia paranóide;

• Não sabe se está hospitalizada ou não;

• Começou a piorar quando os pais se divorciaram;

• Começou a ter problemas no dia-a-dia – interferência na gestão do dinheiro;

• Episódio marcante – fumou haxixe no WC com uma amiga; os pais souberam, chatearam – se e ela prometeu que nunca mais fumava drogas leves ou pesadas;


Raquel para Vera

• Era uma menina chamada Joana com esquizofrenia paranóide;

• Era anti-social e muito tímida;

• Começou a dar-se com más companhias;

• Foi apanhada a fumar haxixe no WC e os pais apanharam-na e zangaram-se muito com ela; a Joana prometeu nunca mais repetir;


Vera para Sónia

• História da Joana que tinha esquizofrenia paranóide;

• Era anti-social e muito tímida;

• Começou a dar-se com más companhias;

• Os pais apanharam-na no WC a fumar haxixe, ralharam muito com ela e ela prometeu nunca mais o fazer.


Conclusões das Observadoras:

• As duas primeiras versões foram muito idênticas;

• Na terceira versão começaram a ser modificados alguns pormenores (deram ênfase à história);

• Na quarta versão são omitidos alguns aspectos (“pai – dominador/ mãe – sub

missa” e “wc da escola”) e acrescentados outros ( “drogas leves e pesadas”);

• Na quinta versão dá-se uma grande

alteração. São omitidos muitos aspectos e acrescentadas características à história;

• Na versão final foram omissos pormenores introduzidos pela colega que contou a versão anterior.


Conclusões Finais:

No processo de “transmissão” desta mensagem verificaram-se alguns aspectos curiosos. Em primeiro lugar foi possível perceber que ninguém no grupo esqueceu que a Joana sofria de esquizofrenia paranóide. Assim, recorreu-se sempre a este rótulo (que se manteve intacto até à versão final) para criar a narração, sendo possível constatar a necessidade que todos nós temos de atribuir “nomes às coisas” como forma de dar um sentido à história. Desta forma contaram-se diferentes histórias consoante as diferentes rotulações atribuídas, verificando-se que, quanto mais grave este é, maior é o nível de distorção que a história atinge (Lourenço, comunicação informal, Novembro de 2008).

Quase como no jogo do “telefone estragado”, neste exercício cumpriu-se o ditado popular que diz que “quem conta um conto, acrescenta um ponto”, tendo sido adicionados e omitidos diferentes aspecto que tendiam a “confirmar” o rótulo que havia sido atribuído à Joana logo no início. Tal permite-nos reconhecer a tendência social que existe para categorizar os indivíduos, rotulando-os e atribuindo-lhe características que confirmem esse diagnóstico. Assim, manuais como a DSM IV – TR delimitam um conjunto de critérios de diagnóstico que permitem tal definição dos indivíduos, como forma de conferir objectividade aos comportamentos humanos. Por outro lado foi ainda possível constatar que na narração final já não se fala da relação dos pais da Joana, que era fulcral na história, tendo-se “perdido” no decorrer do exercício. Apenas a Joana foi focada em todas as narrações, o que comprova a forte ligação que une os rótulos à psicopatologia individual. Neste sentido, e tal como também já foi referido na última temática deste portfólio, verifica-se que a definição de doença mental apresentada pela DSM IV – TR se centra, sobretudo, no indivíduo, esquecendo-se todo(s) o(s) sistema(s) que o envolvem e de que faz parte, influenciando-se mutuamente. Esta tendência geral para fazer julgamentos deste tipo (i.e., centrando a dificuldade no indivíduo) no dia-a-dia mostra-nos apenas que, tal como nos relata a metáfora, o essencial pode ser visível aos olhos, no entanto é muito difícil interpretar de forma correcta e isenta de juízos, aquilo que vemos. Enquanto terapeutas temos que ter este aspecto sempre em conta, pois cabe-nos a nós, “ver com outros olhos” superando a limitação da visão do senso comum (DSM-IV TR, 2000; Lourenço, comunicação informal, Novembro de 2008).